Nunca fui bom em desenhos. Desenhar é, ao meu ver, um dom, que junto à prática e habilidade adquirida, consegue dar vida a sonhos, a idéias, consegue expressar o inexistente, o abstrato. O desenho vem ao papel, à tela, às paredes para ser apreciado, odiado, para provocar. De uma maneira ou de outra, se eu desenhasse, meus desenhos só trariam risos ou desprezo aos que veem.
Por isso prefiro desenhar palavras. Da mesma maneira que desenhos, dão vida às idéias, vida ao abstrato. Porém, tornam o abstrato o mundo real. Palpa-se dessa maneira as nuvens do irreal, pois percorre-se um mundo que não existe, onde idéias se confrontam, se acertam, se constroem.
Vive-se na abstração.
Nos faz acreditar no amor dos desesperados.
Nas desaventuras de um pobre coitado.
Nos encontros do improvável.
Na ressurreição do que é divino.
Nos elétrons que nos fazem viver.
Nesta arte de desenhar palavras, venho fazendo meus rascunhos, como podem ver.
(E talvez possa ser comparados à mediocridade dos meus desenhos.)
Desenho aqui um rascunho do que sinto, pois o que sinto não seria compatível ao papel, a uma tela. Talvez o que eu sinta, de tão abstrato, seja confuso até mesmo no campo das idéias. Meus pensamentos tentam interpretar meus sentimentos como uma mistura sinestésica de todas as artes, da música dos teus olhos, do cheiro da tua presença, da sua beleza, que ouço a distância, e do gosto doce da tua voz, e do som de tuas palavras, que vejo extasiado.
Sou capaz de desenhar aqui minhas idéias, de tentar compor algum tipo de raciocínio lógico. Mas muitos já quiseram a escrita contemporânea, abstrata. Que trabalha com essa abstração da lógica das palavras,
Acredito que a abstração na venha da forma, mas sim da própria palavra. A verdadeira arte de desenhar palavras é dar ao leitora capacidade de entrar em sinestesia com suas próprias idéias e palpar o irreal. É inútil, por meio da forma, por mais genial que seja, tentar desenhar um texto.
O texto se constrói.
As palavras se desenham.
Da mesma forma que o vermelho possa colorir o sangue, as rosas, os prédios, os tijolos; o ''desespero'' é o medo, o suspiro eterno, o amor indomado.
Talvez eu passe minha vida tentando desenhar minhas idéias, desenhando em cada palavra um tom do meu pensamento, uma versão diferente para cada ideia, me assombra, me delira, me faz sonhar, me faz querer morrer.
Não escrevo para ser lido.
Escrevo para me conhecer.
E cada palavra que me conheço mais, percebo que sou menos artista, e mais humano.
A quando desenho um pronome, um substantivo, um advérbio, venho me perguntar como a mente é capaz de conversar tanto com si mesma.
Acho que é essa, enfim, a grande beleza de desenhar ''amor'', ''morte'', ''eu'', ''palavras'', ''desenho''.
Perdoem-me pela metalinguagem excessiva.
Mas minha arte é essa. Desenho o que sinto, por meio de palavras que me condenam, que me ensinam.
A grande beleza de poder se conhecer, pois o que está frente ao espelho pouco importa.
O melhor de tudo, é facilidade de um auto retrato.
''eu''
Ao mesmo tempo da complexidade metafísica desta preposição.
O papel aceita tudo. A partir daí, cabe a cada um saber o que se lê.
Até que ponto acreditar que elétrons que nos mantêm vivos, ou que desesperados são incapazes de amar.
Minha arte faz mal. Mas é meu único remédio.